oi na fazenda Asa Branca, em Araxá, localizada no Alto Paranaíba, que Paulino Correa Chicrala, descendente de libaneses, passou a desvelar segredos desta terra e a contá-los em forma de cachaça. Que o apreciador não espere, depois de beber algumas doses, descobrir confidências íntimas de personagens consagrados da região como Ana Jacinta de São José (a Dona Beja) nem as propriedades das águas medicinais do lugar. Mas poderá apreciar o sabor suave de uma cachaça envelhecida em carvalho e que carrega um pouco da história da família. Paulino Chicrala lembra-se do tempo em que ficava na fazenda do seu avô, quando menino, vendo o preparo da rapadura. "Meu avô Chicrala Miguel Elias veio para o Brasil em 1907, do Líbano, descendente de uma família muito tradicional que raramente consumia bebida alcoólica. Em sua fazenda, havia criação de gado e produção de café. E claro, a produção de melado para a rapadura".
O gosto pelas coisas do campo ficou marcado em Paulino, que resolveu, em 1998, iniciar uma atividade rural na fazenda Asa Branca. "Tenho essa propriedade bem próxima a Araxá. Pensando em torná-la produtiva, analisei várias opções desde cogumelo, avicultura e pupunha até produção de leite. A cachaça era um produto relativamente marginalizado, mas já começava a dar os primeiros passos para tornar-se uma bebida refinada e apreciada pelos mais exigentes degustadores".
Como a região do Alto Paranaíba é marcada por um clima bem equilibrado, altitude apropriada para o cultivo da cana-de-açúcar e conta com água de primeira qualidade, Paulino decidiu investir na cachaça. Junto com a família iniciou o plantio do canavial e construiu um alambique adequado aos padrões técnicos, com dornas, serpentinas e tubulações de aço inox, o que facilita a higienização de todo o equipamento; filtros para retirada de resíduos de cobre; alambique aquecido a vapor e envazadora. Em 1998, foi produzida a primeira safra, de cerca de 20 mil litros, da marca Segredo de Araxá.
"Fazer cachaça é um processo simples, é necessário ter disciplina, higiene e estar envolvido com o negócio. Digo sempre que higiene, manejo e equipamentos adequados são parte do segredo da boa cachaça artesanal", afirma Paulino. O produtor conta que aprendeu a produzir cachaça sozinho. Autodidata, visitou inúmeros alambiques, conversou com especialistas da área, leu livros sobre o assunto e, o principal, colocou a mão na massa.
Embora tenha aprendido sozinho a maior parte do processo, Paulino garante que a produção da Segredo de Araxá respeita todas as normas técnicas. Ali na Fazenda Asa Branca, de 48 hectares, rodeada por flora nativa de cerrado, com exemplares de jatobá, ipê, cedro, angico e pau-ferro, o visitante vai encontrar o cuidado com o fabrico da cachaça artesanal em harmonia com o meio ambiente. Dentre as ações sustentáveis, merecem destaque a redução da queima de lenha substituída pelo bagaço na caldeira; a utilização das pontas da cana para alimentar o gado; o aproveitamento do vinhoto na irrigação do canavial e o reaproveitamento da água.
A Segredo de Araxá obteve o selo orgânico do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) em 2009 devido aos procedimentos sustentáveis, como o manejo do canavial e a não utilização de agrotóxico. "Cerquei toda a fazenda com mata nativa e tenho 30 pés de bálsamo de reflorestamento. Também preservo duas nascentes dentro da propriedade", relata Paulino.
Certificada pelo Inmetro em abril de 2009, o que atestou os processos de moagem, fermentação e destilação a vapor, a Segredo de Araxá é envelhecida durante seis anos em barris de carvalho, em um ambiente com temperatura, luminosidade e umidade adequadas. O resultado, segundo Paulino Chicrala, é uma bebida suave, aromática e com teor alcoólico de 40%. Outro destaque da Segredo de Araxá é a baixa acidez, em torno de 0,63g por 100ml de álcool anidro. É um valor relativamente baixo, já que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento estabelece teor de acidez máximo de até 0,100g por 100ml de álcool anidro.
A cachaça Segredo de Araxá é vendida atualmente em Minas Gerais, Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, Para- ná, Ceará, Bahia, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e Amazonas. De acordo com Paulino Chicrala, desde o começo da produção a bebida tem sido vendida para distribuidores, e também via telefone e internet.
O produtor, porém, critica a atuação do governo em virtude da alta tributação e da falta de ações para a valorização da cachaça artesanal. Apesar de os produtores de cachaça terem sido excluídos do Simples, ficando sujeitos, por exemplo, a pagar IPI de R$ 2,90 por garrafa, reduzindo a competitividade do produto, Paulino não pensa em parar, em razão dos investimentos já realizados. "Estamos desenvolvendo ações visando a ampliar o nosso espaço no mercado", ressalta.
O produtor tem investido nos últimos anos na exportação da Segredo de Araxá. Ele participa do consórcio ConBrasil Cachaça Export com foco no mercado norte-americano, que reúne um produtor de São Joaquim de Bicas (cachaça Ilha Grande), um produtor de Coluna, do norte de Minas (cachaça Coluninha) e a sua marca de Araxá. Os três têm selo orgânico do IMA, pois não fazem uso de agrotóxicos no plantio da cana e tampouco no processo de produção da cachaça. "Já fizemos três exportações para os EUA, em 2004, 2006 e 2007, com o volume aproximado de 6 mil litros. Cada produtor é responsável por um terço do que é exportado. Depois da crise, em 2008 e 2009, aguardamos a recuperação do mercado para voltar a vender", ressalta. "Meu grande sonho é a exportação, vender volumes maiores de uma vez só. A Segredo de Araxá quer avançar nesse projeto. O produto exportado passa a ser mais valorizado no mercado interno".
Para o consumidor que visita a Fazenda Asa Branca, em Araxá, o alambique oferece um atrativo diferente para o fã de uma boa caninha. O produtor Paulino Chicrala armazenou a cachaça Segredo de Araxá em vários tipos de madeira. Dessa forma, o visitante pode degustar a cachaça envelhecida em tonéis de umburana, ipê, bálsamo, amendoim, garapa, freijó, carvalho, jequitibá, jatobá e castanheira. "A ideia é que o visitante possa provar o destilado em diferentes madeiras. A de que ele gostar mais, ele leva", brinca.
A Chicrala Agroindustrial Ltda., razão social da fazenda, também lançou em 2004 a cachaça Carnaval, destinada ao mercado externo. A marca também foi certificada pelo Inmetro. "Quando fui escolher o nome, pensei numa marca que representasse bem o Brasil, por isso escolhi Carnaval, a maior festa popular brasileira, conhecida internacionalmente". A Carnaval é comercializada na versão ouro, envelhecida por quatro anos em barris de carvalho; e na versão prata, envelhecida por dois anos em barris de jequitibá.